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sábado, 16 de outubro de 2010

Conto IV

Estava sozinha. Não tinha mais ninguém. Sai de casa somente com a roupa do corpo. Era muito jovem, mas minha mente era velha. Mais velha que uma de 30 anos. Não era burra, mas não inteligente o bastante. Outros da minha idade brincariam pela rua... fariam bonecos e carrinhos de madeira; não tive a mesma sorte.

Meu pai era meu herói. Se não fosse por ele eu não tinha aguentado tanto tempo. Ele me ensinava como era a vida. Eu sempre acreditei e hoje sinto isso na pele. Não bastava uma palavra ou um gesto... ele esteve sempre certo. Após sua morte, eu morri para a vida. Sem ele não era nada. Minha mãe, 15 anos mais jovem do que ele, não tinha experiências como meu pai tinha. Tantos filhos, mas não tinha a coordenação para tantos afazeres domésticos. Mesmo sendo uma das mais jovens filhas, dentre 10 irmãos, me senti obrigada a sair de casa para que minha mãe não tivesse tanto trabalho.

Andei durante horas abaixo de um calor de 39 ºC. Me alimentava dos frutos das árvores. Bebia a água suja do chão. Já não me importava, só queria chegar. Estava cansada... mais ainda tinha forças para continuar. Chegando a cidade onde minha tia se encontrava, um idoso por volta dos seus 70 anos me avistou e me ofereceu uma carona. Por coincidência, ele trabalhava na fazenda de minha tia e que me conhecia. Eu não o reconhecia pois segundo ele a última vez que me viu foi a 5 anos atrás. Me disse que era para eu ter cuidado naquela fazenda, mas não me explicou o por que disso. Afinal, estava com um parente, não com um desconhecido.

Chegando na fazenda, avistei de cara as crianças que brincavam no portão central da casa. Eram alegres e de aparência saudável. Não me impressionava pois pelo menos não eram sofridas. Minha tia se encontrava na cozinha. Era uma mulher atingindo seus 45 anos, mas de aparência debilitada. Me passava seriedade, e muito sofrimento ao longo de sua vida. Se eu pudesse.. a ajudaria. Enfim, achava ter chegado em boa hora.

Mero engano meu. Ela me odiava completamente. De instante me colocou para trabalhar. Eu era uma escrava nas mãos dela. Me trancou no quarto após o serviço sem bebida, muito menos comida. Fui dormir com a mesma roupa da longa viagem. Não tive direito de ao menos um único banho. Eu enfim entendi o que o idoso quis dizer. Esse ciclo durou longos 3 anos. Já não era mais a Celeste de antes. Cheguei a um certo ponto que eu deveria tomar uma atitude. Com isso só precisava tomar coragem, o que não era difícil para mim.

Estava na cozinha preparando o jantar. Minha tia aparece com um chicote e começa a me bater. Não aguentei as sequências de chicotadas, e cai. Nisso, ela manda seus "capangas" me amarrarem numa árvore para facilitar a surra que me esperava. Sua desculpa para tanta violência foi que eu não estava trabalhando direito. Não tinha perfeição e as verduras e legumes não estavam limpos adequadamente. Deixei me bater. Com isso passei a noite ali... amarrada numa árvore coberta de sangue. Mas isso fazia com que eu me alimentasse de ódio. Ao amanhecer, o idoso que me alertou ao chegar na fazendo me encontrou. Me desamarrou, me deu banho e cuidou dos meus machucados. Depois de deixar eu descansar, mandou eu fugir. Mas eu precisava me vingar. Precisava fazer com que toda aquela maldade acabasse. Precisava mudar isso.

Minha teimosia me dominou. Percebi que todos dormiam. Essa era minha única oportunidade. Minha tia dormia, e seus filhos também. Fui direto na cozinha e peguei o mesmo chicote no qual ela me deu a surra. Voltei ao seu quarto e a puxei pelos cabelos. Comecei a dar a mesma surra. Da mesma forma. Ela corria e eu corajosamente corria atrás dela e batendo ao mesmo tempo. Ela poderia ser baixa, mas meu ódio era maior. Eu tinha uma força que jamais imaginei que tivesse. Amarrei-a no sofá e disse:" você nunca irá se esquecer desse dia. Agora quem está pagando é você, e da mesma moeda". Peguei um de seus cavalos e fugi. Depois desse dia não a vi mais. Foi um alívio para mim. Agradeço todos os dias de minha vida por aquele idoso ter entrado em meu caminho.

Cheguei numa praia. Continha algumas canoas e um navio. Perguntei a um moço que estava perto para onde aquele navio iria. Com sua resposta, aquele navio ia para uma cidade perto de onde minha mãe morava. Isso já era o bastante. Depois de três longos anos sofrendo, iria estar ao lado de minha mãe novamente. Meu coração se enchia de esperança. Entrei dentro de uma caixa que estava sendo carregada para o navio. Como eu era muita magra consegui caber direito na caixa. Passei algumas horas ali. Corri pela praia da cidade quando o navio chegou. Cheguei enfim a uma praça. Não me era estranha, mas sabia que estava no lugar certo. Em um dos bancos sentei-me ao lado de uma senhora. Ela estava triste e doente. Perguntei a ela o por que de tanta tristeza. Me disse que perdeu sua filha. Ela saiu de casa para ajudá-la e faria qualquer coisa para tê-la em seus braços novamente.

Após isso perguntei-lhe seu nome. Era o mesmo que minha mãe. Perguntei o nome de sua filha e ela disse o meu nome. Minha mãe não tinha me reconhecido, mas deixou no meu colo e chorou. Eu estava de volta.

Mayara

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